Os indígenas de Manaus passam a ter um novo espaço sagrado, três séculos e meio depois que o colonizador português aqui chegou
A Prefeitura de Manaus entrega, 353 anos depois da fundação da cidade, na próxima terça-feira (19), Dia do Índio, o Cemitério Indígena de Manaus, localizado no cemitério Nossa Senhora Aparecida, na zona oeste.
Os indígenas de Manaus passam a ter um novo espaço sagrado, três séculos e meio depois que o colonizador português aqui chegou, em 1669, e construiu, em cima do cemitério indígena ancestral, o Forte da Barra de São José, sob o comando do capitão de artilharia Francisco da Mota Falcão.
Os trabalhos de construção foram coordenados pela Semulsp (Secretaria Municipal de Limpeza Urbana). Neles estão incluídos projeto técnico-arquitetônico do campo-santo, conjunto dos cinco módulos de sepulturas verticais em gavetas, portal de entrada exclusivo, ocas cerimoniais, jardins de ervas e decoração com grafismo indígena.
O cemitério indígena tem 216 gavetas em cada um dos cinco módulos, totalizando 1.080 espaços de sepulturas. A preparação das ocas, o jardim e a pintura do grafismo estão sendo realizados pela Copime (Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno).
“As obras do cemitério indígena estão a pleno vapor. A previsão é que entreguemos o espaço na próxima terça-feira, 19/4. O cemitério tem uma grande importância para as etnias aqui em Manaus. É o único cemitério nesta modalidade no Brasil. Isso terá um impacto positivo em nível nacional e até internacional. Atualmente os indígenas estão realizando suas artes em cada bloco”, disse o secretário da Semulsp, Altervi Moreira.
A pintura está 80% concluída. E nestes últimos dias serão construídas as malocas para realizar velório e dança, conforme a cultura de cada etnia.
Reconhecimento
O diretor-presidente da Manauscult, Alonso Oliveira, afirmou que esta é uma reparação histórica como forma de reconhecer os primeiros habitantes da cidade de Manaus. “Estamos entregando mais um importante projeto para os povos indígenas de nossa cidade, fruto de um trabalho integrado de diversas secretarias com o aval do prefeito David Almeida”, disse.
O presidente do Concultura, Tenório Telles, relembrou que as movimentações em torno do cemitério indígena de Manaus surgiram no início da gestão do prefeito David Almeida, ocasião em que ele foi procurado por um grupo de indígenas que apresentaram suas pautas e reinvindicações. “Entre elas estava o anseio por um reconhecimento e acolhimento da memória das populações indígenas que vivem na cidade de Manaus”, contou.
Memória resgatada
Para a coordenadora da Copime, Marcivana Saterê-Maué, o cemitério indígena tem um significado importante. Ela também ressaltou que os antepassados deixaram vestígios para a cidade.
“Eles deixaram memórias ancestrais nas cerâmicas que são encontradas. E hoje temos a possibilidade, por meio do cemitério, de trazermos essa memória, uma memória presente, o cemitério estará presente para nós e ficará para as gerações futuras”, disse
Os Indígenas de Manaus conseguiram resgatar em 2021 o território sagrado com a criação do memorial Indígena de Manaus, inaugurado pelo prefeito David Almeida com o histórico pedido de perdão pela indiferença e invisibilidade a que foram submetidos os povos indígenas desde os primórdios da cidade de Manaus.
A praça Dom Pedro II, localizada no centro histórico da capital amazonense, teve reconhecida sua necrópole dos povos ancestrais no Dia do Índio, em 2021, com a inauguração do Memorial Aldeia da Memória Indígena de Manaus, um projeto da Prefeitura de Manaus reivindicado pelas populações indígenas em honra dos povos tradicionais que ali habitavam há mais de 800 anos, muito antes da presença de europeus em 1542, data do primeiro massacre da expedição espanhola comandada por Francisco Orellana.
Na oportunidade, o prefeito David Almeida disse que o poder público municipal estava reconhecendo nesse ato uma injustiça histórica e devolvendo o cemitério indígena para os povos que resistiram há mais de 350 anos às agressões.
“Peço perdão em nome do povo de nossa cidade por todos esses anos a que foram submetidos a uma invisibilidade quanto ao protagonismo de seus conhecimentos, fazeres e contribuição genética à formação rica do povo amazonense”, disse David Almeida.
“Um memorial em respeito à importância dos povos indígenas e tradicionais que povoaram a cidade e iniciaram nosso processo histórico. Toda a população de Manaus precisa visitar esse local para conhecer nossa origem, nossa história e defendê-la”, ressaltou o prefeito.
No evento, Almeida anunciou que para que o erro não se repita, quanto ao desrespeito no cuidado dos mortos das populações indígenas, a prefeitura realizaria a construção da ala exclusiva para os indígenas no cemitério no bairro Tarumã.
Fazendo parte do memorial, um mural de 34 metros de comprimento, no muro da sede da Manauscult em frente à praça, foi pintado pelo artista Fábio Ortiz, com quatro imagens da presença indígena em Manaus. O espaço é uma das atrações do Memorial Aldeia da Memória Indígena de Manaus.
O mural mostra uma reprodução de imagens retiradas de livros históricos, com o mapa das calhas dos rios onde existe a forte presença dos povos indígenas no Amazonas, desde muito antes da presença europeia, além do herói-ícone da luta, o grande Ajuricaba; com referências os Manaós e ao cemitério indígena primitivo, quando da chegada do colonizador.
Reivindicação
Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas, João Paulo Barreto Tukano foi um dos representantes do movimento indígena e da academia que reivindicaram o reconhecimento da área como sagrada, uma necrópole histórica.
“Manaus foi fundada em cima de um grande cemitério indígena, de nossos antepassados, e precisamos ter o devido respeito aos nossos povos originais que merecem o resgate da memória e importância histórica pelo que significam no nosso processo civilizatório”, relatou o indígena.
Um grupo de trabalho com a participação do Concultura (Conselho Municipal de Cultura), Manauscult, Centro de Arqueologia de Manaus e da Associação Indígena Yepemahasã dos Povos Indígenas do Alto Rio Negro, foi criado para discutir e decidir questões relacionadas à cultura indígena.
“Uma sociedade que não valoriza sua memória é uma sociedade que cai no esquecimento e na ignorância. Daí ser esse um dos fundamentos d