Durante o evento, a adolescente Fernanda Lima Teixeira leu o poema “Não esqueçam da Ana, do anjo, Aninha”, de autoria do artista visual, fotógrafo, poeta e chargista Jousefe Oliveira. O poema, composto por 40 versos, fala sobre o caso da menina indígena Ana Beatriz, de apenas cinco anos, que, em 23 de novembro de 2020, foi raptada enquanto dormia dentro de casa, abusada sexualmente e morta em Barreirinha, no interior do Amazonas, na comunidade Nova Vida, aldeia indígena Sateré-Mawé.O Serviço de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Savvis), da Prefeitura de Manaus, que funciona na Maternidade Dr. Moura Tapajóz (MMT), realizou na manhã desta quinta-feira, 18/5, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, um ato simbólico na sede da unidade, de compromisso com a Campanha “Faça Bonito – Proteja nossas crianças e adolescentes”.
Estudo recente publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou que o número estimado de casos de estupro no país por ano é de 822 mil, o equivalente a dois por minuto. Desses, apenas 8,5% chegam ao conhecimento da polícia e 4,2% são identificados pelo sistema de saúde. E, de acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), a maior quantidade de casos de estupros ocorre entre jovens, com o pico de idade aos 13 anos. Os principais agressores são parceiros e ex-parceiros, familiares, amigos, conhecidos e, em último lugar, os desconhecidos.
Na obra, o autor pede justiça e – por meio de um texto sensível, intenso e repleto de dor, revolta e indignação – clama para que o crime não caia no esquecimento e para que os responsáveis não fiquem impunes.
“Este ano, chegamos ao 23º ano de mobilização do dia 18 de maio e, aqui na Moura, também abraçamos essa causa desde nossa inauguração, em 2005, pois o Savvis foi inaugurado junto com a Moura e começou seus atendimentos já em janeiro de 2006. Então, são 17 anos de luta, 17 anos de trabalho de informação, de mobilização e de sensibilização”, informou.
A enfermeira obstetra e diretora da MMT, Núbia Pereira da Cruz, destacou a luta constante da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), por meio da Moura Tapajóz, no combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.
“Sabemos que uma em cada oito crianças do mundo, cerca de 12,7%, já foi abusada sexualmente antes dos 18 anos. E, segundo a Unicef, uma em cada 20 meninas, entre 15 e 19 anos, teve relações sexuais forçadas durante a sua vida. Então, nossa luta é para garantir que isso não aconteça mais. Que toda criança e adolescente tenha o direito ao seu desenvolvimento de forma segura e protegida, livre do abuso e da exploração sexual”, declarou Zélia.
Durante o evento, a médica e coordenadora do Savvis, Zélia Campos, mostrou que, de janeiro de 2006 a maio de 2023, foram 12.649 pessoas atendidas na unidade do Savvis da Moura Tapajóz. Dessas vítimas, 89% eram crianças e adolescentes de 0 a 19 anos, das quais 22%, crianças entre 0 e 6 anos.
No encerramento do evento, os presentes foram convidados a plantar dezenas de flores nos jardins da unidade. A flor é símbolo da campanha por ser uma lembrança dos desenhos da primeira infância, e também por ser associada à necessidade de cuidado e proteção para um desenvolvimento saudável. O slogan “Faça Bonito – Proteja nossas crianças e adolescentes” chama a sociedade para assumir a responsabilidade na proteção de crianças e adolescentes das diversas violências sexuais.
Segundo a médica, é necessário seguir alertando a população para situações que, para alguns, seriam inimagináveis, como, por exemplo, o fato de que a maior parte dos casos de violência sexual acontece dentro da própria casa e que em praticamente 98% dos casos o agressor é um familiar. “Todos precisamos saber como identificar as situações de abuso, saber o que fazer quando as identificamos, assim como também tudo o que não deve ser feito”, destacou Zélia Campos.
De acordo com ela, no próximo mês, será realizado curso on-line em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de Atualização em Manejo Clínico da Violência Sexual. O curso foi elaborado por três profissionais da equipe multiprofissional, sendo uma delas a coordenadora do Savvis na MMT, Zélia Campos.
“Minimizar os impactos dessas violências, que não acontecem apenas com meninas e mulheres, mas com homens também, apoiando campanhas como essa, é um dos principais objetivos do nosso projeto”, explicou a chefe do escritório do Fundo de População da Organização das Nações Unidas (UNFPA) em Manaus, Débora Rodrigues.
Representando a secretária municipal de Saúde, Shádia Fraxe, a chefe da Divisão de Atenção à Saúde da Mulher da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), Lúcia Marques de Freitas, destacou que o problema do abuso e da exploração sexual contra crianças e adolescentes deve ser debatido todos os dias.
“Para o sucesso dessa empreitada, contamos com o engajamento de todos os profissionais, de todas as secretarias. Serão mil vagas para os profissionais de Saúde, com ênfase naqueles que trabalham com mulheres, na linha de frente, tendo contato com sobreviventes de violência sexual”, revelou Débora.
Além de técnicos e gestores da Semsa, participaram do evento a presidente da Sociedade Amazonense de Pediatria (Saped-AM), Adriana Taveira; a promotora da 27ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude do Ministério Público do Estado do Amazonas, Romina Carmen Brito Carvalho; e o promotor titular da 69ª Promotoria de Justiça Especializada em Combate a Crimes Contra a Dignidade Sexual de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Estado do Amazonas, Rodrigo Miranda Leão Júnior.
“O Savvis, além de fazer o acolhimento e atendimento em seu próprio serviço, ainda sai e faz a parte da educação extramuros durante todo o ano”, observa Lúcia. Ela acrescenta que o município conta com o Programa Saúde na Escola e destaca a importância da integração entre Saúde e Educação para fortalecer as informações que visam proteger crianças e adolescentes. “Temos que lembrar desse tema, ficar atentos, observar as situações à nossa volta e trabalhar com a educação”.
Este é o 23º ano de mobilização do 18 de maio – “Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”, instituído pela Lei Federal 9.970/00. Este ano também é o marco dos 50 anos do assassinato da menina Araceli Crespo.
18 de maio
“É fundamental a ampla adesão da sociedade, de municípios, redes estaduais, organizações não governamentais e setor privado na mobilização em torno do dia 18 de maio, divulgando o símbolo da campanha e a chamada ‘Faça Bonito’. Proteja nossas crianças e adolescentes’, ressaltou Zélia Campos.
Em 1973, aos 8 anos de idade, Araceli foi raptada, drogada, estuprada, morta e carbonizada, no Espírito Santo. O corpo foi deixado desfigurado e em avançado estado de decomposição próximo a uma mata, em Vitória, dias depois de desaparecer. Em 2000, o dia do desaparecimento de Araceli passou a marcar um lembrete para que a sociedade se atente à violência contra as crianças, sendo instituído como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
A rede de serviços do Savvis, da Prefeitura de Manaus, funciona na Maternidade Dr. Moura Tapajóz, na avenida Brasil, nº 1.335, bairro Compensa, zona Oeste, e atende casos agudos e crônicos de violência sexual em regime de plantão, 24 horas por dia, sete dias por semana.
Savvis
A orientação é de que o atendimento para casos agudos ocorra em até 72 horas do fato ocorrido. O serviço, no entanto, também acolhe vítimas que estejam fora desse período.
O serviço é formado por uma equipe multiprofissional (médico, enfermeiro, psicólogo e assistente social) especialmente preparada para o atendimento prioritário e reservado, inclusive com leitos específicos em enfermaria em casos de internação.
Texto – Marcella Normando / Semsa
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Disponíveis em – https://flic.kr/s/aHBqjAEgHb
Fotos – Graziela Praia / Semsa