Norma garante acesso a notebook, internet e celular, além de visitas duas vezes na semana
MANAUS – O procurador-geral de Justiça do Amazonas, Alberto Nascimento Júnior, apresentou uma ação no TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) para anular trechos de uma lei amazonense sancionada em 2021 que garantem regalias a advogados presos provisoriamente no Amazonas, entre elas o acesso a notebook, internet e aparelho celular.
De autoria do deputado estadual Carlinhos Bessa (PV), a Lei Estadual nº 5.661/2021 define o que seria a ‘Sala de Estado Maior’ – onde ficam os advogados presos. A norma foi aprovada, por unanimidade, pela Assembleia Legislativa do Amazonas em setembro de 2021 e sancionada pelo governador Wilson Lima (União Brasil) em outubro do mesmo ano.
A OAB-AM (Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas) comemorou a aprovação da lei. “Vitória da Advocacia! Lei Estadual 5661/2021: Estabelece o Conceito de Sala de Estado Maior, dentro da prerrogativa da Advocacia prevista em lei federal, como ambiente sem grades, no Comando da Polícia Militar ou nos Bombeiros”, diz trecho de publicação.
Além de prever que o estado disponibilizará espaço para trabalho sem grades, com notebook, internet, impressora e aparelho celular, a lei estabelece que advogados presos podem receber visitas de familiares duas vezes por semana e garante as regalias também àqueles que estão suspensos provisoriamente para o exercício da profissão pela OAB.
A norma estabelece, ainda, a concessão de prisão domiciliar a advogados, independente da acusação imputada, diante da inexistência de Sala de Estado Maior. Nesse caso, segundo a lei, o juiz deve aplicar restrições previstas no Artigo 319 do CPP (Código de Processo Penal), com exceção da “suspensão do exercício de função pública”.
Regalias inconstitucionais
Na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) protocolada no dia 5 deste mês, Nascimento Júnior afirma que a lei, ao definir o que seria Sala de Estado Maior, incluiu garantias incompatíveis com a Constituição do Estado do Amazonas e que “não encontram assento na legislação vigente e no entendimento jurisprudencial pátrio”.
Nascimento Júnior sustenta que, ao prever que a Sala de Estado Maior tenha materiais como notebook e internet, a lei amazonense buscou garantir possibilidade do advogado preso continuar a exercer seu trabalho. No entanto, o conceito do ambiente fixado na norma estadual ultrapassou aquele previsto no Estatuto da Advocacia (Lei Federal nº 8.906/1994).
O procurador afirma que o advogado, no momento em que cumpre a prisão, “passa a ostentar a condição de preso provisório, e, portanto, passa a ter direitos e deveres previstos na Lei de Execução Penal – LEP”. A LEP, segundo ele, determina que “para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento”.
Ainda de acordo com Nascimento Júnior, a Lei de Execução Penal diz que ao preso provisório não é exigido o trabalho. E, caso implementado, o trabalho deve ser “obrigatoriamente realizado de forma interna, por meio de atividades laborais disponibilizadas dentro da própria estrutura administrativa visando sua ressocialização”.
“Não há qualquer previsão legal de que o preso recolhido provisoriamente prossiga realizando as mesmas atividades laborais de outrora, sobretudo onerando o Estado de modo a viabilizar materialmente o exercício de seu labor, como assim pretende a norma legislativa estadual”, afirmou o procurador-geral de Justiça do Amazonas.
Sobre o trecho da lei que autoriza familiares de advogados a fornecerem equipamentos eletrônicos, como celular e notebook, Nascimento Júnior afirma que aos presos “não é garantido o uso irrestrito de aparelho celular e computador, mormente não se encontrar tal direito arrolado entre os previstos no art. 41 da Lei de Execução Penal”.
Em relação a possibilidade de familiares visitarem os advogados duas vezes na semana, o procurador sustenta que a LEP garante o direito em dias determinados pela administração do presídio. No Amazonas, segundo ele, a visitação de familiares atende uma determinada periodicidade e ocorre a partir de agendamento por um aplicativo.
“Revela-se, portanto, incontornável a concessão de direitos ao advogado preso provisoriamente, não previstas na legislação específica, de forma a permitir que este prossiga realizando a atividade laboral predecessora ao recolhimento à prisão, onerando o Estado de modo a lhe fornecer equipamentos que possibilitem a comunicação externa, de forma irrestrita, e ainda, que receba, em periodicidade superior aos demais presos, a visita de familiares e amigos”, concluiu Nascimento Júnior.
O procurador afirma que a regra que garante as regalias advogados presos que foram suspensos pela OAB está em desarmonia com o entendimento dos Tribunais Superiores de “não poder ser invocada a prerrogativa de recolhimento em Sala de Estado Maior por causídicos que estejam com sua inscrição suspensa ou cancelada” no momento da prisão.
Sobre o trecho que autoriza a concessão de prisão domiciliar de advogados, Nascimento Júnior aponta violação à competência dos parlamentares federais de legislarem sobre regras de Direito Processual Penal. Segundo ele, a lei determina “hipóteses em que deve ser a prisão domiciliar deferida, tratando-se tal matéria de norma de processo, e não de procedimento”.
O procurador revela que a PGE-AM (Procuradoria-Geral do Amazonas) chegou a recomendar ao governador Wilson Lima através do Parecer nº171/2021-GPGE o veto ao trecho que prevê a concessão de prisão domiciliar, sob argumento da invasão da competência da União. Entretanto, mesmo com o documento, a lei foi sancionada na íntegra.
“Padece, portanto, de evidente inconstitucionalidade forma o aludido texto, na medida em que determina hipótese em que deve ser a prisão domiciliar deferida, cuidando, assim, de matéria de natureza processual, e não procedimental”, afirma o procurador, ao pedir a declaração de inconstitucionalidade da lei amazonense.
A reportagem tentou ouvir o presidente da OAB-AM, Jean Cleuter Mendonça, mas não obteve respostas.