O magistrado do Tribunal de Justiça do Amazonas e que atuou como juiz auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça entre 2016 e 2018, contribuiu para o avanço do debate de temas ambientais no âmbito do Poder Judiciário.
“É inquestionável que a diversidade biológica da Amazônia é a mais rica da terra e ainda existe muito a ser descoberto pela ciência. É sabido que os rios voadores permitem que a chuva atinja os recantos mais distantes desse País e até de outras nações. A copa das árvores é um ecossistema que ainda não foi compreendido em sua totalidade. Ou seja, a Amazônia é ainda desconhecida para a maior parte dos cientistas e, ironicamente, para a população brasileira. Se desejamos vislumbrar um futuro salutar, se pretendemos combater o aquecimento global, temos que atinar para a importância da floresta em pé”. A declaração é do juiz de Direito Adalberto Carim Antonio ao portal da Escola Superior da Magistratura (Esmam), durante uma entrevista em 2020.
O magistrado da Corte de Justiça amazonense, que faleceu em abril do ano passado, foi escolhido para ser homenageado pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS) pelo seu compromisso e preocupação com a Amazônia e com o meio ambiente. A cerimônia ocorrerá nesta sexta-feira (16/6), na sede da instituição, a partir das 17h. A homenagem póstuma faz parte da programação da FAS para o mês de junho, quando se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho.
Ao longo da sua carreira, o juiz Adalberto Carim, que foi o primeiro juiz da Vara do Meio Ambiente e Questões Agrárias – a primeira unidade jurisdicional do Brasil especializada na questão ambiental, esteve à frente de uma série de projetos e ações voltados, sobretudo à conscientização e à educação sobre meio ambiente, contribuindo para que o Tribunal de Justiça do Amazonas fosse considerado o “Tribunal Verde” do Brasil, em 2016, por meio do lançamento de projetos de vanguarda, dentre eles o “Projeto Sementes da Vida”. Este, tinha o objetivo de destinar o plantio de uma muda de árvore regional para cada criança nascida em Manaus, que poderia ser localizada através de georreferenciamento, constante na Certidão de Nascimento expedida pelo cartório. Uma estratégia do idealizador com objetivo de reunir educação ambiental, ampliar a arborização na capital e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes. Na época, Carim atuava como juiz auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas.
Também foi a partir do envolvimento do magistrado que outras ações importantes foram colocadas em prática, sobretudo no âmbito do Poder Judiciário: o descarte ecologicamente correto do óleo lubrificante da frota de veículos do TJAM; coleta de óleo de cozinha usado para aproveitamento pelas fábricas de sabão em barra; implantação da coleta seletiva em unidades do Judiciário e estímulo à reciclagem do papel, plástico e metal; instituição de ações voltadas à eficiência energética em fóruns da capital, com destinação correta das lâmpadas queimadas; plantio de mudas de espécies nativas da Amazônia nas áreas de estacionamento dos prédios do Judiciário; instalação das Ocas do Conhecimento Ambiental, que tinham o objetivo de promover a interação da população com as questões ambientais através de cursos, doação de mudas, pesquisas, atividades lúdicas e outras.
Outros projetos de destaque do juiz foram a criação do Espaço da Cidadania Ambiental (Ecam), voltado para a educação ambiental; a Justiça Volante Ambiental, no qual o ônibus percorria bairros da periferia de Manaus realizando a “Caravana da Cidadania Ambiental”, com distribuição de cartilhas educativas a estudantes, teatro de bonecos, apresentação de desenhos com temática ambiental, palestras e orientações sobre direito ambiental, sustentabilidade, cidadania ambiental e o que fazer por sua cidade sem agredir o meio ambiente.
Sabendo que a educação entre as crianças desenvolveria adultos mais conscientes de seu papel na defesa do meio ambiente, o juiz desenvolveu muitas ações dirigidas ao público infantojuvenil. Uma delas, o Jogo da Cidadania Ambiental, ensinava, de forma lúdica, os principais pontos da Lei n.º 9.605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas sobre condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Para o juiz-corregedor auxiliar Áldrin Henrique Rodrigues, a homenagem pela FAS é merecida e o legado do magistrado não será esquecido. “O doutor Carim será sempre lembrado pelo compromisso inconteste às causas ambientais e agrárias. Foi o primeiro juiz da primeira Vara do Meio Ambiente e Questões Agrárias do Brasil, tendo deixado um legado de amor e esperança à esta e às futuras gerações. Utilizou-se de práticas de vanguarda, realizou cursos e seminários, lançou revistas reconhecidas nacionalmente como ‘boas práticas’, dedicou-se com afinco e competência o seu múnus público e, portanto, faz jus às homenagens que são conferidas post mortem”, declarou.
O juiz Moacir Pereira Batista, que assumiu há quase um ano a Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Manaus (Vema) e que completou 25 anos de instalação em agosto de 2022 com um histórico de pioneirismo e referência para outras unidades judiciais da federação, afirmou que a homenagem ao juiz Adalberto Carim “é profícua e merecida pelo legado, em termos de direito ambiental e depende de todos nós darmos continuidade a tudo que deixou”.
“Projetos como o da Oca do Conhecimento, em parceria com órgãos públicos, que precisam ser mantidos, pois focam principalmente na parte educacional. O Executivo, Judiciário e o Legislativo precisam se empenhar mais nessa educação ambiental”, continuou o juiz Moacir, enfatizando que somente a punição não resolve a problemática ambiental e que, muitas vezes, as pessoas que estão sendo julgadas por esses delitos não sabiam que estavam praticando um crime ambiental. “Muitas são pessoas humildes que não têm o conhecimento de que aquilo que estão fazendo é algo ilícito. Mas a lei tem que ser aplicada, porém vemos que estão ali por uma total falta de informação. Por isso, a educação é fundamental. O doutor Carim focou muito nisso, desde a garotada até os adultos, e esse é o seu legado mais importante: o conhecimento, o ensinamento do que é o direito ambiental e do que vem ser o preservacionismo da Amazônia”, acrescentou o magistrado.
Outros depoimentos
O superintendente-geral da FAS, Virgilio Viana, destacou: “O doutor Carim foi um dos principais responsáveis pela criação da primeira Vara Ambiental no Poder Judiciário do Brasil, em 1997, na Comarca de Manaus. Ao longo da sua trajetória, o juiz de Direito do TJAM contribuiu de forma destacada, inclusive para o avanço de ações governamentais dentro da questão ambiental. Pessoa amiga e que tem lugar de destaque na história da proteção da Amazônia. Por isso, nada mais justo do que essa homenagem no mês em que se comemora o meio ambiente”.
O secretário municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Antônio Ademir Stroski, resumiu o que representa o magistrado – “um referencial”. “Ele é uma referência para todas as pessoas que militam e atuam na gestão ambiental, não somente do nosso estado e município, mas para o País como um todo. Foi inovador sob muitos aspectos, desde a criação da Vara Especializada em Meio Ambiente e depois com as decisões em que proporcionava a oportunidade de aprendizado para quem cometia o crime ambiental. Trazia muitas vezes, nas decisões judiciais, medidas compensatórias inteligentes, atenuando os conflitos ambientais. O juiz é um referencial para a nossa e futuras gerações e o Município de Manaus, em momento oportuno, fará também uma homenagem ao magistrado. A ele, o nosso eterno obrigado”, finalizou.
Academia
O reitor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), André Luiz Nunes Zogahib, ressaltou a longevidade do magistrado na então Vara Especializada em Meio Ambiente e Questões Agrárias (Vemaqa) – atualmente, com nova denominação: Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Manaus -, sendo o primeiro juiz da unidade jurisdicional, atuando por 25 anos diretamente no julgamento das ações de crimes contra natureza, voltado à proteção ambiental e à sustentabilidade. “Além de ser um excelente magistrado, sempre se preocupou não apenas com a questão ambiental, mas também com o bem-estar dos povos tradicionais e originais da Amazônia, bem como das futuras gerações”, comentou.
“O doutor Carim era uma pessoa muito intelectualizada no âmbito acadêmico, um professor extremamente respeitado e com vasta produção bibliográfica. Eu tive a honra de ter sido aluno dele, na Faculdade de Direito. Apesar de ter nos deixado ainda muito jovem, permanece o seu legado, a mensagem de que todos precisamos fazer o que nos cabe para proteger o meio ambiente, de reescrever o cenário apresentado hoje para um futuro sustentável”, completou o reitor André Zogahib.
Para a vice-reitora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), professora Terezinha Fraxe, o juiz e ambientalista Adalberto Carim deixou um legado imensurável para o estado do Amazonas e para a Amazônia como um todo. “Sempre foi um homem dedicado à magistratura e, através da sua função, atuou no julgamento das questões ambientais da nossa região. Foi um grande parceiro da Universidade Federal do Amazonas e, em muitos momentos, estivemos juntos no desenvolvimento de projetos voltados ao incentivo da consciência ambiental, como o da coleta de resíduos sólidos e educação ambiental”, disse.
Terezinha Fraxe comentou ainda acerca das cartilhas, elaboradas pelo magistrado, e que incentivavam a proteção do meio ambiente. “Ele se tornou um imortal no momento em que deixou inúmeros ensinamentos como as cartilhas ambientais, além da sua própria lição enquanto educador ambiental. Nesse sentido, a Ufam, através da sua gestão superior, reconhece o legado do Doutor Carim e somos gratos por tudo que ele dividiu com a Ufam, compartilhando os seus conhecimentos com a universidade”, acrescentou a vice-reitora.
#PraTodosVerem – a fotografia que ilustra a matéria mostra Adalberto Carim em evento realizado pela Vara Especializada do Meio Ambiente do TJAM, do qual foi titular. Ele aparece entregando uma muda de planta a uma criança.
Texto: Acyane do Valle | CGJ/AM
Fotos: Raphael Alves – 20/09/2013