Autores analisaram o acesso digital aos serviços judiciários na Amazônia brasileira com enfoque nas principais barreiras e potenciais soluções
Estudo produzido a partir de pesquisa empírica, realizada no meio da Amazônia brasileira, resultou no artigo Digital Access to Judicial Services in the Brazilian Amazon: Barriers and Potential, publicado na Revista Social Sciences, uma das publicações acadêmicas internacionais mais tradicionais e renomadas na área. Realizado por três pesquisadores, o trabalho contou com visitas a localidades remotas, nas quais foram entrevistados os moradores das comunidades ribeirinhas Itapeuá e Boca do Una, situadas ao longo do Rio Jaurucu, no município de Porto de Moz (PA).
Com autoria de Fabrício Castagna Lunardi, coordenador do Mestrado da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT); Beatriz Fruet de Moraes, juíza do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e juíza auxiliar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ); e Pedro Correia, professor da Universidade de Coimbra e consultor da Direção Geral de Política de Justiça, de Portugal, o artigo se alinha de maneira significativa aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Ao investigar o acesso digital aos serviços judiciários na Amazônia brasileira, os pesquisadores abordam diretamente o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 16, que visa promover paz, justiça e instituições eficazes.
Entrevista com autores
Em entrevista, os autores brasileiros contaram que um dos motivos da escolha das comunidades ribeirinhas de Itapeuá e Boca do Una foi uma visita que fizeram ao local para uma ação de justiça itinerante. “Fomos convidados como pesquisadores da Enfam para participar de uma ação no local, onde seriam realizados atendimento de justiça e cidadania às populações ribeirinhas. A ideia envolvia a observação do atendimento prestado pela Justiça na região, além da observação da realidade local no interior da Amazônia brasileira”, disse Fabrício.
Para acessar a região, os pesquisadores utilizavam alguns modais de transporte. Beatriz conta que saía de Brasília e fazia sua primeira parada em Belém (PA), onde embarcava em uma pequena aeronave para Porto de Moz, em um voo de duas horas e meia. Lunardi relata que, chegando ao município, os pesquisadores navegavam por quatro horas em uma lancha pelo rio Jaurucu, até chegar ao barco da Unidade Básica de Saúde (UBS) ancorado na primeira comunidade, Boca do Una. O barco foi a casa deles por cinco dias.
“A embarcação foi disponibilizada através de um convênio entre o Poder Judiciário local e a Prefeitura de Porto de Moz, para que a ação de cidadania pudesse ser realizada. No barco ficamos hospedados com outras 50 pessoas que estavam trabalhando com serviços judiciais e de cidadania para o atendimento às comunidades ribeirinhas. Foi uma experiência de imersão no interior da Região Amazônica brasileira e que nos permitiu conhecer de perto a realidade das comunidades locais”, contou Beatriz.
Barreiras encontradas no acesso à Justiça
Os pesquisadores destacaram como uma das principais barreiras enfrentadas pelos ribeirinhos as geográficas, que apesar de serem naturais da região não apenas dificultam, mas, em alguns casos, impedem o acesso à Justiça e aos direitos por pessoas residentes nessas comunidades ribeirinhas situadas no interior da Amazônia. “Os moradores das duas comunidades, Itapeuá e Boca do Una, residem a cerca de 97km da única estrutura física do Fórum da região e para chegarem até os serviços de Justiça precisam se deslocar de barco, em média de oito a doze horas, dependendo das condições dos rios da região”, explica Fruet.
“É comum que após esse deslocamento eles cheguem à cidade de Porto de Moz e precisem dormir no barco porque não é possível voltarem no mesmo dia e nem sempre conseguem uma hospedagem na cidade”, acrescenta Lunardi. Ele ressalta que os ribeirinhos dividem o custo da embarcação e que muitas vezes quem tem a necessidade do atendimento não consegue arcar com a despesa do trajeto.
Possíveis soluções
Os pesquisadores apontam que as possíveis soluções para o acesso à Justiça passam pelo digital, ainda que a presença da tecnologia na região seja incipiente ou precária. “Tanto crianças como adultos têm acesso a celulares, internet e computador, o que pode ser um indicativo de que a justiça digital auxilia na redução das distâncias que separam essas pessoas da concretização dos seus direitos”, defende Lunardi.
“Ainda que a exclusão digital possa ser uma realidade no Brasil, dados do IBGE indicam que o uso de celulares pela população brasileira tem aumentado, podendo constituir um auxílio importante na concretização dos direitos pelas pessoas, sobretudo, diante de barreiras geográficas que têm impedido ou dificultado o acesso à Justiça”, acrescenta Beatriz.
O trabalho conclui que existem evidências consistentes de que a governança digital e a utilização da tecnologia pelo Sistema Judiciário, adaptadas às nuances regionais, devem contribuir significativamente para facilitar o acesso aos serviços judiciais. A eficácia da justiça digital nas comunidades amazônicas pode ser interpretada como um passo prático em direção à realização desses compromissos, contribuindo para a construção de sociedades mais justas e resilientes. Dessa forma, a interseção entre a pesquisa localizada na Amazônia e os objetivos globais estabelecidos pela ONU destaca a importância de abordagens regionais específicas para alcançar metas mais amplas de desenvolvimento sustentável.
Agenda 2030
“Ao considerar o compromisso dos países participantes da Assembleia Geral das Nações Unidas com a Agenda 2030, a pesquisa sobre justiça digital também se encaixa na iniciativa de adoção de medidas inovadoras e abrangentes para promover o Estado de Direito e os direitos humanos”, cita Fabrício. A análise das barreiras e do potencial do acesso digital reflete a necessidade de construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis, um dos pilares fundamentais do ODS 16 que pretende promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis, garantindo a igualdade de acesso à justiça para todos.”
Lunardi pontuou a importância do projeto Formação Judicial Qualitativa (FJQ), resultado da parceria entre a Enfam e a ONU, através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). “O FJQ tem colaborado com várias ações importantes dentro do mestrado e com a formação dos magistrados brasileiros, inclusive com este artigo, ainda que indiretamente.”
O artigo está elencado como um dos mais acessados na revista, motivo de orgulho para os autores e para a Escola. “Ficamos muito felizes com essa pesquisa e o impacto da publicação. A Revista Social Sciences é uma das mais renomadas na área. O nosso artigo aparece como destaque, como o mais lido. São mais de 1.500 leituras em 20 dias da publicação. Isso mostra a qualidade das pesquisas que estamos realizando no mestrado da Enfam”, encerra Lunardi.
Os interessados podem acessar o artigo através do link https://www.mdpi.com/2076-0760/13/2/113
Aline Bastos – Enfam
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL / TJAM
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