A vítima alegou que teve grande perda patrimonial e que o réu era bastante persuasivo.
A juíza de Direito Larissa Padilha Roriz Penna, respondendo pelo 6.º Juizado Especializado no Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, condenou um homem a quatro anos e dez meses de prisão por “estelionato sentimental” (como incurso nas penas do art. 171 do Código Penal, acompanhado dos reflexos da Lei n.º 11.340/06 – “Lei Maria da Penha”).
O réu também terá de efetuar o pagamento de R$10 mil à vítima, a título de danos morais, e de R$17.155,00, a título de danos materiais, valor referente a transferências bancárias que a vítima (uma mulher) comprovou ter feito para o réu.
Conforme os autos, a vítima e o denunciado mantiveram relacionamento amoroso pelo período de 1 ano e seis meses, mas terminaram em razão de o homem constantemente pedir valores em dinheiro a ela, sob argumentos diversos, como o de estar doente; de precisar de remédios; de comprar comida ou pagar o aluguel e até de precisar pagar dívidas com agiotas que o estavam ameaçando.
Ainda de acordo com o processo, em janeiro do ano passado, a vítima descobriu que o homem efetuou diversas transferências bancárias originadas de sua conta. Também que o denunciado, além de não ser engenheiro e não exercer uma boa função, não tinha vindo do Nordeste e não vivia em Manaus em companhia de amigos, mas sim que era casado e que vivia com esposa e filha de 12 anos.
Ao fazer os pedidos de valores à vítima, o réu sempre dizia que devolveria a quantia quando recebesse o dinheiro de processos que movia contra empresas em que trabalhara ou quando se estabelecesse em Portugal, como eram seus planos.
Persuasivo
A vítima alegou que teve grande perda patrimonial, que o réu era bastante persuasivo e que a importunava a vender bens que possuía e a repassar valores a ele, o que foi feito em alguns casos, tanto por meio de repasses em espécie como por transferências bancárias.
Conforme a sentença, “em audiência, o réu reconheceu o recebimento parcial das transferências realizadas pela ferramenta Pix, o que corrobora a lisura dos comprovantes juntados pela vítima”. Ele também sustentou, em sua defesa, no decorrer do processo, que os valores recebidos seriam pagamentos por serviços prestados à vítima como motorista de Uber e outros trabalhos na casa da requerente (limpeza, pintura, entre outros).
Ao analisar o mérito da ação, a juíza ressalta que ao acusado é imputada a prática do delito previsto no art. 171 do Código Penal (estelionato), praticado no âmbito de relação afetiva e contra vítima mulher, de modo que se aplicam ao caso as normas protetivas da Lei n.º 11.340/06 (“Lei Maria da Penha”).
“(…) imputa-se ao acusado referido tipo penal tendo como pano de fundo relação íntima de afeto, o que tem sido denominado pela doutrina e jurisprudência pátrias de ‘estelionato sentimental, afetivo ou ainda amoroso’. Neste, o réu abusa da confiança e da afeição do parceiro amoroso com o propósito de obter vantagens patrimoniais”, registra.
Modus operandi
A magistrada reforçou o embasamento da decisão citando estudo elaborado pelo Núcleo de Gênero do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que analisou 240 casos registrados na Delegacia de Atendimento à Mulher desde 2018 e revela o modus operandi cada vez mais comum nesse tipo de crime: o parceiro leva a vítima a entregar a ele a administração de seus bens; pede dinheiro para resolver falsas emergências; apresenta falsas oportunidades de negócio supostamente vantajosas para a vítima; em todas as situações, busca convencer a mulher de que é o companheiro ideal; e pode, inclusive, assumir uma falsa identidade para se passar por um profissional bem-sucedido.
“São apontamentos que se mostram extremamente relevantes, pois além de lançarem luz sobre os elementos característicos a essa espécie de delito – que geralmente ocorre de maneira sutil, no âmbito da intimidade –, auxiliam na distinção entre as nuances de um relacionamento amoroso normal, onde a ajuda mútua não seria ilícita, e o aproveitamento mediante enganação do parceiro”, pontua a juíza Larissa Padilha Roriz Penna, que julgou totalmente procedente a pretensão punitiva para condenar o acusado, considerando que os fatos narrados na petição (pela defesa da vítima) e pelo Ministério Público foram, após instrução probatória, suficientemente comprovados.
Nos delitos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, destacou a magistrada na sentença, a palavra da vítima possui fundamental importância, passando ela a ser elemento de grande valor probatório. A esse respeito, a juíza cita trecho do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021 produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Faz parte do julgamento com perspectiva de gênero a alta valoração das declarações da mulher vítima de violência de gênero, não se cogitando de desequilíbrio processual. O peso probatório diferenciado se legitima pela vulnerabilidade e hipossuficiência da ofendida na relação jurídica processual, qualificando-se a atividade jurisdicional, desenvolvida nesses moldes, como imparcial e de acordo com o aspecto material do princípio da igualdade (art. 5.º, inciso I, da Constituição Federal)”. Neste sentido, o relato da vítima, tanto na fase extrajudicial quanto na judicial, é firme, coerente e em consonância com as demais provas carreadas nos autos, sendo suficiente para lastrear uma condenação”, escreveu a magistrada.
Por ser o réu primário e por ter respondido ao processo em liberdade, foi concedido a ele o direito de recorrer da sentença em liberdade.
Carlos de Souza
Foto: Banco de Imagens
Revisão textual: Joyce Tino
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL / TJAM
E-mail: [email protected]
(92) 993160660