MP pediu retirada de moradores de loteamento situado em área de preservação e Defensoria deverá atuar como representante deles na ação.
A Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas anulou sentença que julgou improcedente Ação Civil Pública sobre a área do Loteamento Carijó, localizado em Área de Preservação Permanente (APP), em Manaus, devolvendo o processo ao 1º grau para citar a Defensoria Pública a fim de atuar como representante dos moradores e reabrir a fase de instrução.
A decisão do colegiado foi por unanimidade, no processo n.º 0003325-27.2002.8.04.0001, na sessão de 27/05, data em que o TJAM assinou acordo de cooperação técnica com a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Teatro Amazonas, com o compromisso de unir esforços e disseminar instrumentos para a promoção e defesa dos direitos humanos a fim de melhorar a administração da justiça.
O processo analisado em 2.º grau aborda justamente questões como direito ao meio ambiente, à moradia e condições dignas de vida da população, e o acórdão fundamenta-se na Constituição da República e em precedentes da Corte Interamericana, que já julgou situação aplicando a teoria do impacto desproporcional.
No caso do processo de Manaus, a relatora, desembargadora Socorro Guedes observa que tal impacto ocorreria, mesmo diante de situação permitida legalmente, com a tramitação da Ação Civil Pública sem a participação direta das pessoas que causam o dano ao meio ambiente e que poderiam vir a serem retiradas das casas em que vivem há décadas sem serem ouvidas pela justiça, aumentando as vulnerabilidades que já vivenciam.
A relatora destaca que não há como justificar a manutenção da sentença e um dos motivos é que a improcedência da ação não assegurou o respeito a procedimentos de apuração das condições concretas das pessoas que lá moram, como a eventual possibilidade de regularização fundiária do local (Reurb), prevista na lei n.º 13.465/2017.
“Ressai forçoso concluir que manter sem representação neste processo as pessoas instaladas na área de interesse importaria em reproduzir (e não sanar, como seria papel do Estado) na esfera jurídica a vulnerabilidade que já experimentam por suas históricas condições econômicas e sociais, em prejuízo dos seus direitos à igualdade, ao acesso à justiça e ao devido processo legal, previstos nos art. 5.º, caput e incisos XXXV e LIV da CRFB e nos arts. 1.1, 2, 8, 24 e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos”, afirma trecho do voto da relatora.
Origem
A Ação Civil Pública começou em 2002, quando o Ministério Público do Amazonas pediu a condenação do Município de Manaus para fazer a retirada das pessoas do loteamento irregular em APP e apresentar projeto de recuperação do local.
Após manifestações e diligências, em 2017 foi proferida sentença julgando improcedentes os pedidos do MP, com entendimento do Juízo da Vara do Meio Ambiente de que as moradias construídas – que abrigavam cerca de 50 famílias na época – deveriam permanecer no local, destacando que a decisão não desobrigava o Município de fiscalizar a área e inibir novas ocupações.
O Ministério Público recorreu da sentença, apontando que a área é inundável e que as condições das moradias são insalubres, que não atendem o melhor interesse da população. E que, se admitida a manutenção das casas em APP deveriam ser feitos estudos técnicos sobre a situação da região, inclusive com compensação ambiental. Ao fim, pediu a retirada das habitações da área, com sua relocação, e a recuperação dos recursos naturais da área.
Diante da análise em Reexame Necessário e anulação da sentença, com devolução ao 1.º grau para reabrir a instrução, para ter a Defensoria Pública como representante dos moradores, o recurso foi declarado prejudicado.
A relatora registrou que o TJAM já julgou processos semelhantes tendo como partes apenas o Ministério Público e o Município de Manaus, decidindo-se pela demolição de construções em unidades de preservação ambiental, sem que os moradores fossem citados no processo. Mas destaca que este caso envolve demanda coletiva tanto no polo ativo quanto passivo e que os moradores merecem ser representados em juízo.
“Este processo oferece um espaço de diálogo em que o Ministério Público, o Município de Manaus, a Defensoria Pública e o Poder Judiciário podem promover legitimas articulações institucionais visando à adoção de múltiplas medidas em diferentes frentes que podem, em conjunto, ultimar reformas do cenário fático que deu causa ao processo de modo a atender, na melhor medida possível, todos os interesses sociais implicados no caso”, afirma a magistrada.
Ao decidir que o processo retorne à vara de origem, a relatora indicou que é preciso observar três eixos de interesse: “o direito ao meio ambiente defendido pelo Ministério Público; os direitos das pessoas instaladas na área sob litígio, defendido pela Defensoria Pública; e os deveres do Município de Manaus de promover o adequado ordenamento territorial urbano, de zelar por unidades de preservação por si criadas e de promover programas de moradia que abarquem os sujeitos eventualmente prejudicados por medidas reparatórias decorrentes de falhas na fiscalização do loteamento urbano”.
#PraTodosVerem: Imagem que ilustra a matéria traz o registro fotográfico da desembargadora Socorro Guedes durante sessão no Plenário Ataliba David Antônio
Texto: Patricia Ruon Stachon
Foto: Chico Batata-02/04/2024
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